Que cultura?

Recentemente o meio cultural voltou a agitar-se para exigir mais subsídios. Praticamente ninguém discutiu o que significa fazer cultura hoje, que objetivos civilizacionais se alcançam e, sobretudo, que retorno tem a sociedade de tais investimentos?

Que a criação cultural é importante, decisiva para a evolução social, todos o sabemos. A par da preservação do que foi feito pelos nossos antepassados, a criação cultural de cada época é o seu espelho, mas também um elemento fundamental na abertura dos caminhos de futuro. Uma das mais importantes missões das artes é antecipar o que pode ser. Ideia que se torna uma evidência a partir do modernismo e, para os mais ativos criadores, um verdadeiro programa de ação cultural.

Na era dos computadores, da Internet e da Inteligência Artificial, não se pode pensar a criação cultural sem perceber a alteração radical que se operou nas nossas sociedades nas últimas décadas. Não se pode certamente continuar a fazer cultura com base nos pressupostos do século 19, nem sequer já do século 20.

A recente evolução científica e tecnológica coloca a humanidade perante desafios nunca antes experimentados. De que o prolongamento da vida, a manipulação da mesma, a possibilidade de se criarem entidades tão ou mais inteligentes do que nós, são destacados exemplos. Estes avanços carecem de enquadramento cultural, no sentido, em que este fornece a orientação ética e de destino da espécie humana, sem o qual nos arriscamos a caminhar para o desastre. Veja-se o caso da Inteligência Artificial. Às mãos do mero desenvolvimento tecnológico estamos a construir máquinas autónomas com capacidade letal. Um dia podem virar-se contra nós.

Quanto mais o conhecimento científico e tecnológico avança mais precisamos da cultura artística, enquanto visão aberta, livre e independente de interesses conjunturais. Mas não de uma criação disparatada, irrelevante, infantil. A criatividade artística pode não ser objetiva como a ciência, mas tem um objeto claro: enquadrar o conhecimento no melhor interesse da humanidade como um Todo. É, aliás, uma das poucas atividades em que a humanidade é entendida como Espécie e não como mera acumulação de partes. Por isso Shakespeare, Leonardo da Vinci ou as máscaras africanas são universais. E milhões de pessoas correm aos Museus para as ver. Ou seja, para ver a humanidade no melhor da sua capacidade criativa.

Infelizmente, a chamada cultura contemporânea perdeu esta noção. Na generalidade dos casos, resigna-se hoje a banais, repetitivas e derivativas expressões sem qualquer interesse, sem capacidade de influência na educação geral, na formação dos mais jovens e, ainda mais grave, sem contribuir para a orientação civilizacional. A criação cultural banalizou-se, cedendo na maioria dos casos ao entretenimento, ao decorativo, quando não à estupidez arrogante.

Por outro lado, um errado entendimento de que as artes são o oposto da ciência, quando na verdade são complementares e mais do que isso simbióticas, conduziram a uma cultura contemporânea conservadora, reacionária mesmo no seu frequente e declarado antagonismo ao conhecimento científico. A tecnofobia domina os meios artísticos, assim como muitas instituições que se dedicam à divulgação cultural. É certo que tem menor expressão na música dada a natureza técnica da mesma, mas é endémica nas artes visuais, no teatro, dança, etc.. Em resultado, para além do entretenimento, temos uma criação cultural contemporânea incapaz de suscitar interesse público, manifestando-se frequentemente como fomento da ignorância.

Precisamos de uma criação cultural realmente contemporânea, informada, atualizada, ativa na conversa sobre o nosso futuro comum. Precisamos de uma política cultural dinâmica, visionária, promotora da colaboração entre as artes e as ciências, porque essa é a única forma de garantir que a evolução científica e tecnológica se mantém no campo das utopias e não derrapa para as distopias. As artes são fundamentais para definir a orientação da evolução tecnológica. Porque, na sua componente verdadeiramente criativa, não decorativa ou anedótica, têm uma ambição que excede os interesses pontuais do mercado e o conservadorismo do que está instalado. As artes, no seu melhor, são uma permanente construção e reconstrução do mundo. Pela sua radical liberdade, são a componente do conhecimento que gera as visões de que se faz o futuro. Desse modo são também um contributo essencial para a inovação em muitos domínios, decisivo no design e na produção empresarial.

Mas não é com um Ministério da Cultura antiquado, sem visão, que não reconhece relevância à aplicação tecnológica nas artes que se consegue alterar o comportamento do meio artístico e das instituições que o apoiam. E não é certamente simplesmente com mais subsídios que isso se consegue.

Tempo

Não tenho tido tempo para alimentar este Blog. Consultar o site: http://www.leonelmoura.com

Teatro robótico

Apresentação pública em Lisboa
14 de Maio, Sexta-feira, 22:00 horas
Espaço Robotarium, LxFactory

RUR, O Nascimento do Robô é a adaptação de Leonel Moura da peça de teatro escrita por Karel Capek. A narrativa distópica, mas sobretudo o facto de ser nesta peça que aparece pela primeira vez a palavra Robot tornaram-na num clássico da temática do conflito entre homens e máquinas inteligentes.
A versão de Leonel Moura altera significativamente a narrativa, já que os robôs têm um papel bastante mais ativo e a dissertação moralista é totalmente eliminada. Mas, mais importante e pela primeira vez, os robôs representam-se a si mesmo contracenando com os atores humanos. Três robôs, Naná (Babá em brasileiro), Primus e Helena, movem-se livremente no palco, representam, falam e interagem com os atores humanos de forma autónoma.

RUR, O Nascimento do Robô estreia em Agosto em São Paulo, Brasil, na sala do Itaú Cultural.

Arte grátis

Este retrato de Rómulo de Carvalho (à direita), produzido pelo robô ISU a partir da foto da esquerda, foi editado em serigrafia (numa tiragem de 200) e será oferecido aos visitantes do último dia da exposição INSIDE [arte e ciência].
Duas observações. Primeiro, o meu gosto em oferecer obras de arte, já que me parece que a arte deve aprender com a Internet e o seu princípio de gratuitidade e partilha. Segundo, o facto da composição de ISU partir do local, pois o robô só vê uma pequena área da imagem, para gerar um efeito global na linha do conceito de Gestalt em que o Todo é superior à soma das partes.
O resultado nem está nada mal. Sobretudo para um robô. O que me abre novas possibilidades a explorar…

INSIDE [arte e ciência]

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A primeira grande exposição da arte do século XXI abre a 24 de Setembro na Cordoaria em Lisboa.
Consultar o site: www.inside.com.pt

Concurso Ideias Criativas

Está aberto o Concurso de Ideias Criativas
Basta enviar um video até 5 minutos (3 minutos é o ideal) com uma ideia criativa e inovadora
São atribuídos 10 prémios de 1000 euros cada, mas a notoriedade e a visibilidade também contam…
Participa. Divulga.
Mais informação em:
http://criar2009.gov.pt/ideiascriativas/

Poesia robótica

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Mais um marco na criação da arte do futuro. Quinta-feira, 7 de Maio, é lançado, em Coimbra no Museu da Água, o primeiro livro de poesia escrito por um robô.
O livro apresenta 30 poemas escritos pelo robô ISU.
Mais info aqui

Inauguração

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Duas imagens da inauguração dos Jardins Portáteis no Terreiro do Paço. A apropriação dos jardins pelas pessoas foi imediata, havia gente a ler, conversar e namorar.

Jardins Portáteis

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Instalação de 45 Jardins Portáteis no Terreiro do Paço a partir de 24 de Abril (inauguração às 16.00 horas) e que se prolongará pelo Verão.

O projecto dos Jardins Portáteis foi apresentado pela primeira vez na Bienal de Valência em 2003. Trata-se de uma obra que explora o mecanismo da combinação como forma de gerar criatividade e inovação. Neste caso, juntou-se um banco, uma árvore e umas rodas dando origem a um Jardim que se pode deslocar conforme a vontade do utilizador. Quer para criar núcleos de conversa entre amigos, quer para procurar a melhor posição ou sombra, quer ainda pelo simples prazer lúdico de usufruir de uma obra de arte singular.

No plano do conceito esta obra integra a chamada “Arte Pública” destinada, por exemplo, a introduzir o “verde” em Praças ou áreas da cidade onde não existe vegetação. Pode igualmente ser apresentada em espaços interiores acrescentando-lhes a exuberância do colorido dos Jardins e da sua cobertura vegetal.

Os Jardins Portáteis são comercializados pela empresa Robotarium Lda (mailto: lxxl [at] mail.telepac.pt)

As duas culturas

A 7 de Maio de 1959, Charles P. Snow, físico e escritor, proferiu em Cambridge uma conferência que viria a lançar um importante debate no meio académico. Habitante de dois mundos, o da cultura literária e o da cultura científica, Snow não entendia como era possível as duas culturas estarem tão claramente de costas voltadas uma para a outra.
Meio século depois a questão mantém-se e até se tornou mais pertinente.
Como artista que nos anos 90 se começou a interessar seriamente por Ciência posso confirmar, por experiência própria, a dificuldade de diálogo entre as partes. Do meu lado não entendia a ignorância da maioria dos cientistas sobre a cultura contemporânea, nomeadamente, no domínio da Arte, em que as referências ainda ficavam mais ou menos por alturas do Impressionismo. Hoje estou certo de que os meus interlocutores devem ter ficado abismados com o meu desconhecimento de coisas tão elementares em Ciência como, por exemplo, a Segunda Lei da Termodinâmica.
Outro factor de incomunicabilidade é a linguagem. Basta pensar na palavra Caos que para mim na altura significava desordem e aleatoriedade, mas para a Ciência significa um sistema determinístico, não-aleatório portanto, dependente das condições iniciais. Ou seja, um tipo de ordem bastante específico ainda que difícil de prever.
Mas na problemática relação entre Ciência e Artes há mais do que jargão e ignorâncias mútuas. No campo da Cultura das Humanidades, onde incluímos as Artes e as chamadas Ciências Humanas como por exemplo a filosofia, foi-se aprofundando uma enorme arrogância e desprezo pelo conhecimento científico. Ao ponto da própria palavra Cultura ter sido apropriada de forma a excluir a Ciência e a Tecnologia e, tanta vez, ser entendida como abertamente anti-científica. Ainda hoje muita gente considera que verdadeira cultura é aquela que defende a humanidade contra o saber científico e as tecnologias. Basta pensar como, por exemplo, os computadores e a Internet, foram e continuam a ser atacados como algo destruidor da verdadeira Cultura. É assim que muitos escritores ainda afirmam orgulhosamente escrever à mão ou advogam que a disponibilização de bibliotecas inteiras na Internet é um atentado contra a leitura. Ou como, sem surpresa, António Barreto, expoente do reaccionarismo intelectual, diz no último número da revista Ler que “o Magalhães é o maior assassino da leitura em Portugal”. E isto quando todos os estudos sérios demonstram precisamente o contrário, isto é, que o uso do computador e da Internet têm aumentado o consumo de livros e promovido grandemente a escrita e a leitura, em particular junto dos mais jovens.
Cinquenta anos depois do alerta de Snow a cultura literária e das artes tem vindo a radicalizar as suas posições contra a Ciência. O campo das Humanidades não tem parado de ampliar o seu desprezo pelo conhecimento, no pressuposto de que a expressão do humano se manifesta sobretudo através do subjectivismo e de diversas formas de sobrenaturalidade.
Ora esta visão, tipicamente de resistência ao estilo Ludita, é um efectivo problema das sociedades desenvolvidas. Ao se transformar a Cultura numa frente de combate ao conhecimento sabota-se objectivamente a evolução social e impede-se a criação de condições para que a criatividade e a inovação possam ter lugar.
A Ciência e a Tecnologia são os principais motores do progresso humano. A elas se deve o aumento, nalguns casos exponencial, de bem-estar individual e de avanço civilizacional. Basta comparar as condições de existência de hoje com algumas décadas atrás. Na saúde, no acesso a bens e serviços, no saber, na capacidade de realização pessoal, grandes saltos foram dados graças a importantes descobertas científicas, desde os transístores à genética, para só citar dois exemplos.
O mundo precisa de um novo reencontro das duas culturas. Já não será à maneira renascentista quando não havia separação, vista sobretudo a necessidade de especialização. Mas é evidente que precisamos de uma nova Cultura do Conhecimento aberta ao saber e capaz de contribuir através da imaginação e da criatividade para a própria evolução e efectiva racionalidade humanista da Ciência. É por isso que há quem fale não de duas mas de três culturas. A das Humanidades, a da Ciência, e agora a da recombinação entre as duas.